quarta-feira, 23 de março de 2011

61 - Superlua

Todos os corpos celestes estão em movimento uns em relação aos outros e, além disso, atuam forças gravitacionais que interferem nestes movimentos de maneira não uniforme ao longo do tempo. Analisar os deslocamentos levando em conta todos os fatores que atuam é uma tarefa árdua. Para colocarmos as coisas de uma maneira mais facilmente inteligível utilizamos simplificações às vezes radicais. Tudo na tentativa de tornar ao “comum mortal” tais movimentos mais compatíveis com o panorama que ele vê dia após dia.

Ao observarmos a Lua no céu o estamos fazendo de um corpo em movimento não retilíneo, o que “vemos” não é necessariamente o que de fato ocorre. Não foi à toa que a humanidade levou milhares de anos para descobrir quem gira em torno de quem!

Acerca disto leia o texto da socióloga Maria Elisa (leia o texto completo em http://stosfot.wordpress.com/2010/11/07/somos-todos-fotografos-e-obvio/):

“Tarefa difícil é a de desconstruir o óbvio. Apontar e defender outro ponto de vista diante daquilo que parece saltar aos olhos. Nem sempre convence, quase nunca agrada.
Pensemos na seguinte situação: Durante muitos séculos os homens se acostumaram a olhar para o céu e ver o sol descrever uma trajetória. Óbvio ululante que o sol se deslocava de um lado para o outro no horizonte, enquanto a Terra inerte acompanhava este movimento dias e dias ad infinitum.
Quem ousaria afirmar que aquele fenômeno poderia não ser exatamente aquilo que parecia ser? Ah sim! Os bruxos e feiticeiras queimados nas fogueiras. Estes sim, os loucos, só eles, os que estão fora da realidade poderiam afirmar que o óbvio, ainda que ululante, poderia ser questionado. A quem interessaria esta nova verdade? Ou melhor, a quem não interessaria uma outra realidade? Sabemos o fim desta história, muito embora ainda hoje dizemos: – O sol nasce a leste e se põe a oeste.”

Por quê?

A órbita da lua ao redor da terra não é uma circunferência, é, aproximadamente, uma parábola onde a terra ocupa um dos focos, e, portanto, a distância entre os astros varia ao longo da trajetória. A figura, fora de escala*, mostra a situação:

onde:
“F1” e “F2” são os focos da parábola
“a” é a distância da Lua no apogeu à Terra
“p” é a distância da Lua no perigeu à Terra
“r” é o raio médio da órbita da Lua ao redor da Terra

No perigeu a distância “p” vale 357.448 km, no apogeu a distância “a” vale 405.363 km e o raio médio da órbita “r” vale 381.405 km. Como as fases da Lua dependem da posição relativa Sol, Terra e Lua e os três estão em movimento em planos diferentes em relação a um referencial externo, a coincidência entre Lua cheia e perigeu não é tão freqüente.

Quando estamos num veículo sabemos qual de dois automóveis, de modelos iguais, está mais distante pelo tamanho que “parece” ter. Com a Lua é a mesma coisa, dependendo de sua distância em relação à Terra ela terá um tamanho aparente diferente. As fotografias abaixo mostram, numa vista a partir da superfície da Terra, os tamanhos da Lua na posição do apogeu e na posição do perigeu:


Quando há a coincidência de perigeu e Lua cheia, ela apresenta um tamanho aparente aproximadamente 14% maior e um brilho 30% mais intenso do que no apogeu e então temos a “superlua”.

Foi o que tivemos no sábado passado (19 de março de 2010), fato que aconteceu pela última vez em março de 1993.

Ao longo da noite de Lua cheia a distância entre o observador na superfície da Terra e a Lua varia como mostra a figura:


Vemos que a distância entre o observador “o” na superfície da Terra e a Lua nascente (0º ) inclui o raio da Terra e é, portanto, claramente maior do que a distância do observador “o” à Lua na posição de 90º. Devido então ao fato de estar mais distante na nascente, seu tamanho aparente é menor.

Como a vemos junto a outros objetos como casas, fábricas, prédios, relevo, etc., temos a impressão de que é maior.

Jato voa em frente à lua cheia perto de São Petersburgo, Rússia, foto de Dmitry Lovetsky

A fotografia acima mostra que quando vemos a Lua e outro objeto juntos, ela nos parece maior. Repare também que o avião fica num contra-luz à luminosidade da Lua que, mesmo que não seja uma superlua, é muito intensa.

Para fotografar

Fotografando você tem duas opções: uma fotografia “da” Lua ou uma fotografia “com” a Lua.
No caso de uma fotografia “da” Lua, não se iluda, você só terá êxito com uma boa teleobjetiva e um tripé estável. Simplesmente não será possível preencher o quadro utilizando uma objetiva pouco “musculosa”, você pode até fazer um crop (corte) depois na fotografia, mas os resultados em termos de nitidez e contraste serão sofríveis.

A fotografia abaixo foi tirada pelo fotógrafo Gabriel Lordêllo utilizando uma teleobjetiva de espelho de 1.000 mm de distância focal que o seu amigo Gildo Loyola lhe emprestou.

Gabriel Lordêllo

Se, na fotografia, a Lua vai fazer parte do cenário, as coisas ficam um pouco mais complicadas. Quando a Lua cheia coincide com o seu perigeu temos também uma luminosidade mais intensa, como vimos, 30% maior, e na cena a latitude de exposição teria que ser muito grande para compensar a diferença de luminosidade entre as regiões escuras da foto e a claridade intensa da Lua.

A máquina fotográfica, por mais sofisticada que seja, não tem a capacidade de adaptação a claro e escuro do olho humano e mesmo fotografando em RAW não se consegue uma latitude de exposição grande o suficiente para cobrir os dois extremos, por isto é comum vermos fotografias muito bem expostas no cenário e com a claridade da lua “estourada”, isto é normal.

Gabriel Lordêllo

Na fotografia acima, de Gabriel Lordêllo, podemos perceber o que acabei de dizer.

Utilizando um filtro de densidade neutra (ND) graduado, fazendo um HDR (normal, por favor) ou utilizando elementos mais claros para compor o quadro poderíamos chegar a um equilíbrio maior na cena. Se o plano geral for escuro prefiro o filtro, não gosto de HDR.

Quando a superlua ocorre temos uma efeméride que é - e deve ser - registrada por incontáveis fotógrafos, mas não é a melhor situação para fazermos fotografias incluindo a Lua. A diferença de tamanho entre as outras Luas cheias e a superlua é muito pequena e imperceptível a olho nu, e nestas Luas cheias não temos uma luminosidade tão intensa e a latitude de exposição necessária fica menor.

O que estou querendo dizer é que TODAS as Luas cheias são maravilhosas, não apenas a superlua. O que encanta os nossos olhos (lembre-se que a máquina fotográfica vê de maneira diferente) é a luminosidade a mais.

* Imagine uma bola de futebol representando a Terra, a Lua poderia ser uma bola de tênis a uma distância equivalente a quase dois automóveis Uno. Seria muito difícil mostrar o que queremos no papel ou numa tela de computador utilizando uma escala real.

PS - Agradecimentos ao fotógrafo Marcelo dos Santos que tem o blog linkado, à socióloga Maria Elisa pelo texto e ao fotógrafo Gabriel Lordêllo pelas fotografias postadas.