domingo, 24 de maio de 2009

53 - Entrevista

Segue a entrevista que dei em 21 de fevereiro de 2009 ao professor Francisco Amálio Grijó e que foi publicada no site do Centro Educacional União de Professores na seção "Professor destaque":

1. Dia desses ouvi um professor afirmar que a Física é uma "disciplina árida, pedregosa demais, o que faz o aluno distanciar-se dela". Vc concorda com essa afirmação? Por quê?

É necessário compreendermos que o que a maioria das pessoas precisa saber de Física é apenas o necessário para explicar os acontecimentos e os eventos ao nosso redor para que assim, possam viver melhor. A parte mais árida da Física interessará somente aos que quiserem se especializar e o que temos até o Ensino Médio é, em sua maioria, o necessário para melhor viver e explicar o nosso dia a dia. Acontece que muitos professores, por motivos os mais variados, dão excessiva ênfase à formulação matemática das situações Físicas e como a imensa maioria dos brasileiros tem uma deficiência muito grave em matemática, não cabe aqui discutirmos o porquê, a Física é que acaba ficando com a imagem de uma ciência "hermética".
Outro fator que tem que ser levado em conta é que, infelizmente, a grande maioria das pessoas resiste a qualquer tarefa que exige um pensar mais elaborado. Como pensar dá trabalho e tudo na natureza tende ao potencial mais baixo - isto é uma lei Física - é mais cômodo não pensar e generalizar-se argumentando que a Física é muito "difícil". Na verdade pensar é necessário em todas as áreas, mas é muito mais fácil e menos perceptível dizer-se bobagens em Sociologia, por exemplo, do que em Física.
Não concordo, portanto, com a afirmação de que a Física “é uma disciplina árida e pedregosa demais” e que, por este motivo, os alunos dela se distanciam. A Física deve ser apresentada como uma maneira de explicar as coisas no nosso mundo sendo assim um conhecimento útil ao "comum mortal" e capaz de despertar o interesse geral.

2. Sabe-se que, durante algum tempo, algumas atividades relativas à área de Exatas - principalmente Engenharia - tiveram uma queda substancial de prestígio na área profissional. Parece que os tempos mudaram. O que vc tem a dizer sobre isso e que conselhos vc tem a dar a alunos que optam pela área de Exatas?

Durante a década de 1980 a reserva de mercado impediu que o nosso país participasse do boom da eletrônica e isto gerou reflexos em toda a área tecnológica. É claro que vários outros fatores também poderiam ser citados, mas, enfim, o fato é que durante a citada década as profissões ligadas à área tecnológica pagaram um altíssimo preço.
Na década de 1990 as coisas começaram a tomar um novo rumo e o país foi, de certa forma, pressionado pela economia mundial sendo que uma transição começou a ser notada. Com a abertura do mercado os frágeis cartéis que eram responsáveis por uma “tecnologia brasileira” artificial começaram a cair e, tardiamente claro, o país começou a ser apresentado a uma tecnologia realmente de ponta. E, como não podia deixar de ser, as profissões ligadas a essa tecnologia começaram a ascender.
Hoje o mercado exige que o país forme e entregue um contingente cada vez maior de técnicos que, a meu ver, são os que geram renda e que possibilitam que o país cresça também em outras áreas que não as tecnológicas.
Meu conselho aos alunos que optam pela área de Exatas é que leiam, principalmente sobre economia, que tenham uma estratégia para daqui a cinco ou dez anos e que não se deslumbrem com “tendências modistas” que o mercado educacional apresenta. Você deve se preparar de tal forma que seja possível, dentro de certos limites é claro, uma correção de rumo motivada por modificações que a conjuntura possa sofrer.
Lembre-se que o que você faz após a graduação – sim, fazer algo após a graduação tornou-se uma necessidade – pesa mais na sua vida profissional que a própria graduação, que passa a ser apenas um “start” na sua vida profissional.

3. É comum - e bastante injusto, até - as pessoas acharem que alguém ligado à área de Exatas não tem a sensibilidade suficiente para a atividade artística ou esportiva. Pois você é, então, uma exceção. Sabemos que, além da Física, vc tem mais duas paixões, a fotografia e a Fórmula 1. Fale um pouco sobre isso.

Onde há um estudo que mostre que a tendência a uma área anule o interesse por outras? Constatamos que é muito mais freqüente pessoas com graduação na área de exatas aparecerem também em outras áreas do que o inverso.
Como boa parte das pessoas – não todas, insisto – escolheu uma área distante da matemática por a ela não serem afeitos, negam, como defesa até, que os que têm aptidão para matemática e ciências afins tenham aptidão também para as ciências ligadas às humanidades. Isto é um preconceito e um escudo.
Tenho interesse, desde criança, por áreas ligadas à tecnologia e outras que não são, e daí? Não sou qualificado?
Já escrevi em jornal como repórter. Tive até uma coluna onde escrevia sobre automobilismo, é verdade que a coluna não foi publicada durante muito tempo pois na época fazia também pré-vestibular e minha disponibilidade era pequena. Assistia corridas de Fórmula 1 com o gravador ligado e publicava os meus comentários sobre a corrida, fato inédito entre os que escreveram sobre esportes automotores em Vitória, já que se limitavam a publicar os “press-releases” que recebiam das agências de notícias.
A fotografia é uma paixão desde a adolescência, mas ficou platônica muito tempo pois no início apenas lia bastante sobre a mesma e só comecei a fotografar depois de adulto. Tenho interesse não apenas pelo aspecto técnico da fotografia mas também pela arte em si. Com o advento e a evolução da “fotografia digital” muitos neófitos acharam que entender de “fotografia” significava entender os aspectos técnicos como resolução, ruído e etc. Passaram a ficar discutindo megapixels achando que estavam discutindo “fotografia”. Este entendimento técnico é necessário, sem dúvida, mas não deve ser colocado na linha de frente do saber fotográfico. Fotografia é e sempre será uma forma de arte, com muitas ramificações é verdade, mas uma forma de arte.

4. Você tem um blog - que está, inclusive, linkado à página do UP. Como vc utiliza essa ferramenta de comunicação?

O blog apareceu como uma necessidade pessoal que eu tinha de comentar alguns assuntos que, a meu ver, eram colocados em livros ou por professores de uma forma inadequada. Na verdade ele virou uma miscelânea onde são discutidos automobilismo, fotografia, tecnologia e são colocados vídeos ilustrando várias situações relativas a estes assuntos.
Não há uma exclusividade de um assunto ou outro, embora a Física prepondere. Coloquei também exercícios resolvidos de uma forma mais detalhada do que a que normalmente se encontra nos livros. Não tenho postado no blog tanto quanto desejaria mas pretendo intensificar as postagens e vou aumentar o número de exercícios resolvidos, a meu ver fundamentais para o treinamento adequado e eficiente, já que a literatura existente deixa muito a desejar tanto em quantidade quanto em qualidade.
Talvez o maior problema hoje com a internet seja a depuração do que vale a pena e do que não vale a pena no oceano de informações a que passamos a ter acesso, tento, com o blog, dar a minha contribuição mostrando aos alunos assuntos que acho interessantes e/ou importantes. É claro que a tentativa é feita baseada na minha visão e nem de longe tenho a pretensão de que ela seja correta e absoluta.
Mantenho também um fotoblog onde exponho algumas de minhas fotografias e links para páginas que acho importantes.